Alzira de Souza Umbelino Cardillo
Zé Aparecido ouviu a futrica e saiu de galope, gemendo de dor. Desprendeu o arame da cerca e do portão, pegou a direção, os passos mancados levantando poeira vermelha, a cabeça baixa acompanhando a curva do tronco. Subiu o degrau tropicando, machucando o dedão ex-posto na chinela velha, a tira do pé da gota soltando do solado e se ia arrebentar a qualquer passo. Na mesa do canto esquerdo da venda estava Rosinha, no ângulo da parede descascada, sentada na cadeira branca de ferrugem marcada, fria; os cotovelos apoiados na mesa de iguais características. Ele viu Rosinha e o braço que rodeava o seu pescoço. Desesperou-se no sermão: não criou filha para ficar na venda com marmanjo pendurado, a mãe se matando de trabalhar, mais cinco filhos para criar, o marido desgraçado na gota, até a roça ela tem de capinar. Olhou para o rapaz não reconhecendo a fuça do sujeito. Sentiu fúria maior, aperto no peito, um forasteiro querendo tomar sua filha, sussurrando indecências no cangote da menina, deviam estar é planejando a fuga, quem sabe para aquela noite, que filha ingrata faz é isso mesmo, deixa pai e mãe para sumir com vagabundo e depois, se dá de voltar, volta espancada pelo imundo e com mais bocas para comer. Elevou ainda mais o tom da voz, ordenou que Rosinha tomasse rumo de casa, com o sem-vergonha acertaria sozinho, de homem pra homem, se o moleque pudesse ser tratado como tal, mas rir às custas da sua família, fazer de prenda fácil sua filha, ah!, isso ele não ia fazer não.
Mas Rosa era flor no nome e no temperamento. Conhecia o pai e sabia alcançar sua moleza. Pediu um segundo, antes de se retirar. Começou por apresentar o Cido, assim o chamava, pois seu nome coincidia com o de papai. Conheceu-o na escola noturna, três anos atrás. _ Ele é neto de Sô Nhonhô, papai, filho da D. Danja, que se mudou para a capital quando o marido morreu, lembra? Cido é o mais velho dos irmãos, como eu. Trabalhador que nem o senhor, arrimo da família, estuda técnicas de enfermagem e já tem até uma casinha própria lá na cidade. D. Danja sabe de nós dois e faz muito gosto do nosso namoro, já vai pra lá de ano… Eu é que fico adiando contar, pelo respeito que tenho pelo senhor e pela mãe, medo de me acharem nova para o compromisso, por causa até da diferença do Cido, que é surdo-mudo e…
Zé olhou o rapaz surpreso com tudo o que ouviu. Cido olhou-o sem temor, estendeu a mão e o gesto foi correspondido. O sogro puxou a terceira cadeira branca, enferrujada e fria, sem sentir dor. Ademais, a conversa que se seguiu foi uma continuação de prodígios, milagres e sinais.