CLIC-Alzira de Souza Umbelino Cadillo

A bisavó foi posta na cama de casal do quarto da filha, o maior e mais caprichado da casa, para o repouso de depois do almoço, o corpo pedia. A avó deitou-se ao seu lado para fazer companhia, dando-se conta que pés e pernas doíam, já não era nenhuma mocinha. A mãe ajeitou-se na poltrona com uma revista de moda nas mãos, uns óculos modernos apoiado na ponta do nariz, e se manteve de olhos abertos por quase cinco minutos antes de cair no sono.

A filha entrou no quarto em seguida, observou a mãe, a avó, a bisa e não resistiu à vontade de se enfiar na cama entre as avozinhas, como gostava tanto de fazer para sentir o cheiro de água de colônia que emanava das duas.

A filha da filha, jovenzinha dotada de tantas paixões, tinha a máquina de fotografias pendurada no pescoço quando passou pelo corredor e bisbilhotou. Pela greta da porta entreaberta esticou o braço fazendo alguns clicks.

Conferiu as imagens e ficou pouco satisfeita. Faltava uma geração no registro. Faltava ela no meio da tata, da bisa, da vó e da mãe. Pensou rápido, tinha de ser rápida. Correu na garagem, abriu o porta-malas do carro, tirou o tripé pedestal com fadiga e arrastou o objeto pesado até o corredor. Montou o aparelho, apoiou a máquina fotográfica no topo e posicionou a lente no melhor ângulo, enquadrando cama e poltrona. Apressou-se até a poltrona, sentou no braço do móvel com as mãos abraçadas no pescoço da avó que dormindo estava, dormindo continuou.

Saiu sorrateira do quarto, conferiu o visor, aprovou o visto, desmontou a aparelhagem, carregou o tripé até a garagem, guardou tudo como antes, enfiou a chave na ignição e partiu.

Quando voltou encontrou as quatro mulheres na cozinha: uma que tomava chá de camomila para ajudar no sono da noite; a outra, café preto que era só o que gostava de saborear àquela hora do dia; a outra, suco verde – detox – e, a última, uma cerveja bem gelada que o calor estava de matar. Eram muito diferentes no paladar.

A jovenzinha deu um beijo em cada uma das mulheres mostrando um envelope pardo que trazia nas mãos. Anunciou que mostraria uma bela surpresa. Abriu a geladeira e se serviu um copo de leite de soja sabor natural. Bebeu de uma só vez, tinha corrido muito, estava sedenta e ansiosa por fazê-las apreciar o segredo. Sentou-se do lado da mãe que bebericava a cerveja e beliscava amendoins com sal. Mostrou o envelope mais uma vez e devagarinho foi tirando uma fotografia para fora.

Todos se arregalaram, ficaram extasiadas as moças dormideiras da tarde. Como teria sido possível não terem visto, ouvido nenhum som dos passos, dos clicks, dos movimentos?… abraçaram a caçula da família cuidando para que a tata não se emocionasse por demais. Estava frágil, quase já não falava e sabia que estava chegando o momento da despedida final. Ela pediu que empurrassem sua cadeira de rodas para o quarto. Precisava descansar. Antes de deixar a cozinha, porém, juntou forças para fazer uma declaração e disparou:                                                  – Por toda minha vida tomei chá. Chás de plantas de todas as espécies e amarguras. Mas descobri, hoje, que não gosto muito de chás. Amanhã vou experimentar leite de soja natural. Gosto de fotografias, gosto de cerveja também, mas os remédios não me permitem beber, nem me lembro do sabor. Antes de morrer provarei dois copos. Um é muito pouco. Prefiro a minha cama, no meu quarto no final do corredor, onde dormi com meu marido por quarenta e três anos. Por favor, não me tirem mais de lá. Eu amo vocês e quero que me prometam dormirem juntas sempre que puderem. Registrem muitas fotografias como as de hoje, porque a vida passa num click. Amo os homens desta casa, mas eles roncam demais, é desagradável fazer a sesta com eles. Que a décima geração futura de nossa família sinta a delícia de amar e ser amada, como estou me sentindo agora. Boa noite, meus amores.